segunda-feira, 27 de outubro de 2014

Dia 22 de Agosto - Córsega, Sardenha e Espanha - 2014

No primeiro dia que tivemos inteiro na "Ilha da Beleza", escolhemos partir rumo a Corté, a quarta maior cidade da Córsega. Encaixada num pequeno cume e com a habitual aparência quase medieval, a cidade tem belas vistas sobre o Parque Natural, dentro do qual rolámos 77km de estradas perfeitas.

A Córsega é toda cuidada, desde as estradas às bermas e às florestas circundantes. Tal é a sensação com que o visitante fica. A ilha é limpa, tal como é a generalidade das localidades, onde se pode incluir a capital, apesar do número elevado de pessoas que por ali passeia em Agosto. O trânsito é bastante desafogado e fluído em praticamente todas as regiões, mesmo perto da costa e das praias. Ajaccio será a justificada excepção, do que percebemos e, mesmo para quem vai de moto, não se aconselha a hora de ponta na estrada. As estradas ao longo de todas as regiões da ilha estão devidamente pavimentadas, salvo se forem de facto estradas não utilizadas. O itinerário regular, principal e secundário é muito seguro, limpo e de asfalto relativamente recente. Os rails estão integralmente protegidos, geralmente por madeira.

No regresso de Corté para Ajaccio, as motos entraram por dentro do Parque Natural novamente, por dentro de uma região florestal ainda mais exuberante, com vegetação muito frondosa e com a vida selvagem bem à vista, principalmente os porcos que pela berma das estradas comiam e passeavam em liberdade. Algures a meio do caminho, junto a um fundo vale, encontrámos uma referência a piscinas naturais que desconhecíamos ali existir. O vale cai a pique para um leito de um pequeno rio (pelo menos assim é em Agosto) e as encostas ainda guardam vestígios de abrasão pela água de cascatas de inverno ou mesmo de eras passadas. É toda uma imensidão de beleza capaz de fascinar o motociclista e o geólogo que não deixa de ser este viajante e que certamente muito chateou os restantes com as explicações sobre a geologia maravilhosa da ilha.

Estava calor junto a encosta esquerda do Col de Vergio, por onde rolávamos e por onde, tal como nós, vários outros motociclistas faziam o mesmo. A ideia de uma piscina natural no meio da floresta e da montanha chamou-nos a percorrer alguns metros da vertente, ao longo dos quais a temperatura se ia tornando mais fresca. A vegetação densa era interrompida por alguns afloramentos do que julgo recordar ser um granito claro e, mais abaixo, sobre o granito, corria um límpido rio, com cascatas várias, fazendo um recanto de beleza ímpar ao longo do trajecto deste dia 22 de Agosto de 2014.

Os peixes, as pedras, as folhas caídas de árvores que estendiam os galhos sobre o rio, tinham os contornos perfeitamente definidos independentemente da profundidade a que se encontrassem. Cada pequena pedra era tão visível como se entre nós e essa pedra não existisse uma gota de água. A água convidava, principalmente porque, apesar de ser já meio da tarde, o calor ainda era algo intenso. Todavia, ao mergulhar, a água gélida tornava difícil ficar durante muito tempo dentro das piscinas. Era contudo uma perfeita combinação entre rocha e água e a sol. Estendemo-nos, nadámos, mergulhámos, sentimos cair a água da cascata sobre os nossos ombros e dorsos tal como segundos depois o sol nos secou. Não foi muito o tempo que por ali ficámos, mas foi o suficiente para tornar ainda mais forte o deslumbramento que esta ilha nos provocava e ainda provoca.

A caminho de Ajaccio novamente. E chegados ainda lanchámos na areia da grande baía que orla o poente da cidade. Depois pudemos ainda percorrer as pequenas vielas da capital, ver as gentes, aos milhares, espalhadas pelos restaurantes e bares. Uma vez mais, sentar numa esplanada e desfrutar a fabulosa cerveja Pietra, mesmo ao lado de uma casa de venda de navalhas artesanais. Pelos vistos, as navalhas artesanais são uma das peças de artesanato característico francês e corso e essa peças pode ascender a vários milhares de euros, de acordo com o artesão e os materiais e desenho. Ali, mesmo ao nosso lado, dir-se-ia que estava uma cara ourivesaria, mas era afinal uma casa que vendia facas num bonito largo em Ajaccio.









quarta-feira, 1 de outubro de 2014

Dia 21 de Agosto, Córsega e Sardenha, Ítacaventura 2014

Não podíamos partir sem dar um mergulho na praia que tínhamos perto do parque de campismo, 10 minutos a pé. E para além de águas quentes e muito vento, conhecemos Durou, senegalês residente em Lisboa, que há 10 anos durante o verão vem vender vestidos e outros adereços nesta praia da Sardenha, e que durante o resto do ano faz o mesmo na capital portuguesa - e aos fins de semana o circuito é pelos restaurantes de Setúbal. O mundo é mesmo pequeno!

Saímos por volta da hora de almoço em direcção ao ferry, em Santa Teresa di Gallura. Conseguimos lugar no barco das 15h00, e uma hora depois desembarcámos em Bonifácio, já na Córsega.


As diferenças entre ilhas fizeram-se logo sentir: na estrada, os automobilistas quase que automaticamente encostam-se à berma na aproximação de um motociclista, prática típica também em França. O preço da gasolina também acompanha o daquele país, conseguindo-se por 1,56€ o litro - um contraste significativo com a Sardenha. E o resto são as cidades, vilas e aldeias, assim como a beleza natural, que nos assombram e apaixonam desde o primeiro minuto. O acolhimento, esse, continua sempre afável e simpático, mas mais fáceis de entender!


A arquitectura, a paisagem, as estradas, tudo está cuidado e agradável. A comida é agradável e a vegetação é exuberante. Parece que mudámos de local para uma parte distante do globo e afinal subimos dois ou três graus de latitude.

Seguimos directos de Bonifácio para Sarténe, pequena terra um pouco para o interior, e depois rumo à costa, para Ajaccio.


A 10 km da capital encontrámos o parque de campismo que foi a nossa opção para passar as próximas duas noites.

Apesar de alguma confusão perto da zona central da cidade, a capital é uma cidade bela junto ao mar, com uma baía de água quente que faza de praia urbana ao longo de uma enorme marginal onde ainda existe a citadela. 

Como primeira abordagem, tudo nesta ilha parece virado para este tipo de viagem, e a quantidade de motas que encontrámos no caminho acaba por comprovar isso mesmo.

quarta-feira, 24 de setembro de 2014

Dia 20, Ítacaventura, 2014 - Córsega e Sardenha

Sair do parque de campismo cedo custa sempre, mas ainda custa mais quando o parque é tão agradável e depois de termos experimentado as actividades de grupo do bar na noite anterior. A praia ali ficou, mas as tendas e as motos foram embora.

No dia 20, porém, o caminho não ia esperar por nós e o número de dias que tínhamos para gozar a viagem infelizmente não se tornara elástico. Como já tínhamos percorrido o parque nacional de Gennargentu pelas estradas do interior, desta vez rumámos a norte para subir ainda mais no litoral da ilha, pela linha da costa, rolando numa estrada bonita e com paisagens que iam melhorando à medida que nos aproximávamos da Costa Esmeralda.

Não sabemos se foi sorte por estar um tempo nublado e fresco, se o ano turístico não foi especialmente bom para a Sardenha, mas as estradas estavam relativamente desimpedidas e rolámos sempre calmamente ao nosso ritmo, sem retenções e sem problemas. Claro que o trânsito era mais intenso que no sul e muito mais que na costa Oeste, mas nada comparado com alguns congestionamentos a que infelizmente nos vamos habituando nas cidades turísticas do nosso país. A costa leste tem praias lindas e a Costa Esmeralda (Costa Smeralda) é, de facto, um local paradisíaco apesar de lotado do ponto de vista da ocupação turística. Não podíamos abdicar de mergulhar naquela região e a Spiaggia del Pirata foi o local escolhido. Parque de estacionamento aparentemente pago, mas talvez só para carros porque a nós ninguém cobrou nada e ala para a praia, cheia, muito pequena e de frente a uma baía plena de luxuosos iates fundeados.

O tempo não nos permitia ficar por ali, apesar de as temperaturas terem aumentado ao ponto de já não apetecer vestir de novo os blusões, capacetes, luvas e o ir de novo ao calor para a estrada. Mas isso faz parte do mototurismo e das limitações temporais com que o grupo rola. Continuámos pela  costa, confirmando o que já havíamos comentado: a mais bela parte da ilha é a que corresponde ao litoral noroeste, até pouco a sul de Oristano. Sabíamos que a travessia para a Córsega tinha de ser feita em breve, de preferência até dia 21, sob pena de perdermos a oportunidade de conhecer a ilha francesa pelo menos com o mesmo grau de pormenor que havíamos dedicado à italiana e por isso procurámos um parque de campismo perto de Santa Teresa di Gallura. O GPS do J. Oliveira foi cruel connosco e mandou-nos por um caminho impossível, que a certa altura desaparece nos arbustos, o que implicou a inversão de marcha em busca de alcatrão. De caminho, Santa Teresa di Gallura, pequena vila com uma praça pitoresca e pequenas ruas, acolheu-nos para uma cerveja bem acima do nosso poder de compra. Vale-nos que Parque de campismo era, além de simpático, dotado de um minimercado de preços aceitáveis e de uma pizzaria que, já pela hora do jantar, nos ajudou a matar a fome e a passar o fim da tarde e o início da noite, nas cadeiras ao ar livre, sob o céu estrelado.

segunda-feira, 22 de setembro de 2014

Dias 18 e 19 de Agosto - Ítacaventura 2014

O dia 18 de Agosto começou cedo, na praia, e foi terminar noutra praia, a 195km de distância, já na costa leste da Sardenha. Partimos rumo a Cágliari - caminho que eu começava a conhecer bem - onde abastecemos por ser o local mais barato que econtrámos. Todavia, muitas bombas não aceitam os cartões de débito portugueses e acabámos por ter de procurar mais do que gostaríamos. Nada de grave. O caminho prosseguiu em busca da SS125 (Strada Statale 125) que nos levaria pela costa um bom bocado da ilha primeiro em direcção ao azimute 90º e depois rumo ao 0º.

Pelo caminho, procurámos as ruínas do teatro romano de Nora, mesmo junto ao mar. Encontrámos mas o tempo disponível e o orçamento da viagem não nos permitiu realizar a visita guiada. O sítio arqueológico tem dois bares de apoio e está localizado à beira da praia, sendo uma opção cultural para terminar ou iniciar um dia de férias. De onde tomámos café, dava para avistar algumas das ruínas e perceber que os romanos tinham óptimo gosto, não só por terem teatro, mas pela localização que escolheram para alguns deles.

Depois de Nora, Pula, Cágliari, passámos por muitas aldeias e vilas e parámos para almoçar na zona de Muravera.

As temperaturas, apesar de algum calor, são leves e raramente passam os 27 graus. Ainda assim, as vistas que conseguimos ter das praias ao longo da SS125 são permanentes convites a mergulhos nas águas das baías rodeadas por rocha e arbustos, sempre selvagens. A SS125 está a ser substituída por uma nova SS125 que tem um perfil semelhante aos IP's portugueses, mas vale a pena procurar a antiga SS125 sempre que não esteja subterrada pela nova. A estrada é mais bonita e a paisagem fica muito mais próxima de nós. Além disso, a estrada antiga não está em más condições de pavimento e tem umas curvas que aumentam bastante o prazer de condução.

A viagem, de 195 km foi terminar sensivelmente a meio da ilha, entre o extremo sul e o norte, na costa leste, um pouco a Sul do Parque Nacional de Gennargentu e da Baía de Dorgali. Lotzorai, parque de campismo Iscrixedda.

O parque é muito agradável e a tenda fica em frente a uma praia de águas quentes, separada por uma cancela permanentemente aberta. Além disso, o parque tem óptimas instalações a todos os níveis e os preços são dos melhores que encontrámos até aqui. Talvez por isso, esta foi a primeira noite em que saímos do nosso regime alimentar e que deixámos de lado as latas de conserva e a massa feita no campingaz para ir experimentar as pizzas de itália. Todos sabemos que as melhores pizzas do mundo não são as italianas, mas asseguramos que as do parque Iscrixedda não são nada más. Antes do jantar ainda preparámos as nossas tendas e experimentámos a praia. Ao pôr-do-sol, já quase ninguém nadava, apesar de não haver sequer uma onda no mar Tirreno, por aquela hora.

Pela noite, descobrimos a mesa de ping-pong em que o João Marreiros dominou durante muitos jogos. Faz-se tarde, apesar de agitados pelo desporto, é hora de dormir.

No dia seguinte, o mar parecia outro, com uma forte e divertida ondulação. Mas era dia de passear as motos. Como o parque era muito agradável, decidimos não arrancar para outro e fazer o parque nacional, passando depois à costa para conhecer Cala Gonone e a Baía próxima. A estrada SS125 dentro do parque nacional é maravilhosa, bom piso, paisagens deslumbrantes e boas curvas e levou-nos a conhecer algumas vilas encastradas na montanha. Baunei e Urzulei são lindas vilas que nos permitem olhar o parque como quem está num miradouro, bem altas na montanha. Aproveitámos em as paisagens com algumas paragens curtas para depois seguir em direcção a Cala Gonone. Entretanto, o céu cobriu-se e acabámos por almoçar, provar o torrão sardo - que é muito parecido com o torrão de alicante - e arrancar de novo para baixo, rumo ao nosso parque de campismo junto ao mar. A hora de chegada ainda nos permitiu estar nas ondas e rebolar com elas pela areia durante um bom bocado, até decidirmos ir cozinhar. Desta vez, pedindo autorização aos donos do bar da praia do parque de campismo que, estando fechado àquela hora, nos permitiu jantar de esplanada, junto ao mar com o ceú estrelado sobre nós.

quinta-feira, 18 de setembro de 2014

16 e 17 de Agosto - Ítacaventura - Córsega e Sardenha

A saída de um B&B, como geralmente de um hotel ou mesmo de um parque de campismo, nunca corre bem tal como o cliente gostaria. Ali em Cágliari não foi excepção porque a Vera e o Marreiros não puderam, dado o atraso do avião, chegar e dormir antes das quatro da manhã e foram forçados a acordar poucas horas depois, para cumpriro horário do pequeno B&B: 10.00h.

As camas não eram más mas o pequeno-almoço era bastante minimalista. Nada de especialmente mau, nada de especialmente bom, mas nada, mesmo nada, comparado com a bolonhesa que ainda ficou para mim e para o J. Oliveira.

Não conhecíamos praticamente nada da ilha, mas o simpático proprietário do B&B apontou-nos algumas soluções e destacou algumas regiões do litoral da ilha. Chia, por exemplo, a pouco mais de 60km de Cágliari, foi uma das sugestões. Todo o litoral da ilha, principalmente as encostas a Ocidente, é esplêndido e está repleto de pequenas baías e praias. A densidade de tráfego automóvel não é insuportável, apesar de mais intensa nas horas de ida e de saída das praias. Existe bastante movimento turístico, dominantemente italiana que não contrasta visivelmente com o regionalismo que, apesar de não ser agressivo, se manifesta ainda assim em diversos locais, quer pela presença da bandeira com as quatro cabeças de chefes mouros, quer por uma ou outra inscrição independentista.

A Vera já não conheceu as pequenas ruas de Cágliari, porque saímos cedo da cidade, rolando calmamente por um trajecto escolhido para nos mostrar tanto o interior como o litoral da ilha. A orografia da ilha e as estradas são particularmente bonitas junto à costa, mas a componente histórica das ocupações humanas prévias é uma constante nas zonas costeiras ou interiores, sejam montanhosas ou de planície. O “nuraghe”, “nurági” ou o povo nurágico, conforme as várias designações, é o povo nativo da Sardenha que ergue uma civilização após outros povos menos organizados e com tecnologias muito mais rudimentares. Vários vestígios pré-nurágicos e nurágicos se podem visitar por toda a ilha e existem muitos locais de interesse arqueológico também relacionado com as ocupações posteriores.

O percurso de 16 de Agosto rumou de Cágliari a norte, passando por pequenos povoados atravessando a planície sem paragens dignas de nota. Pouco a Norte da latitude de Sant’Antioco e já próximos do mar, virámos a Sul para conhecer a pequena ilha de ponta a ponta. Aí aprendemos sobre a presença Espanhola na ilha, que a deixou salpicada de torres de vigia. Consta que Espanha levou mais do que lá deixou. Em Sant’Antioco o almoço não foi diferente do que já vinha sendo habitual, num banco de jardim com umas latas de Jchnusa, que, como já referi é a cerveja local, e cujo nome é nada mais nada menos do que o nome fenício da Sardenha. A ilha foi percorrida por estradas secundárias, infelizmente curtas porque Sant’Antioco é minúsculo. Tem, no entanto, vastos conjuntos de interesse arqueológico e percursos culturais identificados que, apesar de não terem sido visitados pela Ítaca, são cativantes e certamente relevantes. De Sant’Antioco, as três motos voltaram a apontar para Leste, rumo a Chia.

Aí chegados, o parque de campismo é uma das principais infra-estruturas turísticas da localidade e é mesmo aí que ficamos. Ver a praia, ver o bar. Comprar o jantar. Antes disso, mas depois de montar as tendas mesmo junto a uma das praias mais próximas, foi tempo de um merecido descanso com direito a experimentar as únicas batatas fritas com sabor a frango assado como acompanhamento de uma bebida fresca.

O dia seguinte foi passado, tranquilamente, na praia de Chia e à noite fomos conhecer o bar mais próximo. Pouco depois, arrancava para Cágliari de novo, perto das 23.00 para ir buscar a Diana que vinha de San Sebastian nesse mesmo dia, via aérea. Chegou a horas o voo da Vuelling e limpou um pouco a má imagem que a companhia tinha deixado nos dias anteriores. A Diana juntou-se a nós em Chia e ainda teve oportunidade de conhecer a animação nocturna do parque de campismo, experimentar a Jchnusa logo na sua primeira noite e comer uma tosta mista pré-fabricada no bar do parque. No dia seguinte, poucas horas nos restaram para partir, mas foi ainda suficiente para, depois de arrumar o material e preparar as motos, espreitar de novo a praia, para a Diana a conhecer, porque os restantes já tinham experimentado as águas quentes e cristalinas onde, com os óculos de mergulho que o J. Oliveira tinha levado, passámos largas horas a nadar.

sábado, 30 de agosto de 2014

dias 13, 14 e 15 - Ítaca 2014



Cinco mil quilómetros de uma viagem que apontava para os cerca de quatro mil e oitocentos quando preparada pelo João. Isso mostra bem a vontade de fazer quilómetros que os destinos nos estimularam. A partida foi antecipada em dois dias. O que estava previsto ser uma viagem a iniciar-se num ferry a dia 16 de Agosto e a terminar a 30, resultou afinal numa partida de ferry a 14 e um regresso a 29. Isso implicou a partida de Setúbal pelas 5.30 da manhã de dia 13, paragem em Arraiolos para apanhar o primeiro convidado da Ítacaventura e partir, com o atraso típico de um primeiro dia, cerca das 7.30 de Vimeiro. Foi aí o verdadeiro início, onde as três motos se juntaram para um curto café da manhã. Regras faladas: a Transalp 700 viaja no meio, e a XTZ e a GSA alternam-se na frente. Conduzindo sempre com o cuidado da condução em grupo, apesar de serem apenas três motos. A manhã estava fria mas começava a aquecer a caminho de Elvas, Badajoz, Madrid e pelos longos quilómetros rectos que atravessam toda a meseta Ibérica até à primeira paragem: Zaragoza.

Felizmente, o ano não tem sido particularmente quente. As temperaturas, mesmo em Agosto, não são sequer próximas dos quarenta graus que temos conhecido habitualmente nas outras viagens da Ítaca. As temperaturas neste primeiro dia, um pouco quente, foram ainda assim simpáticas com os motociclistas e rondaram sempre os 30 graus de máxima, o que permite refrescar em andamento. A chegada a Zaragoza não foi tão cedo quanto programada por força do atraso inicial de uma hora e meia, quase duas. No entanto ainda chegámos a tempo de descansar um pouco num mini-hostel situado a cinco minutos da Basílica de Nossa Senhora do Pilar, que se ergue à beira do Ebro majestosamente. A basílica foi levantada preservando o pilar onde, segundo rezam as lendas religiosas, uma imagem de Nossa Senhora terá surgido ao Apóstolo Tiago sobre um pilar. Ainda hoje lá se encontra o pilar no interior da Basílica que se encontra bem no centro da cidade fundada como César Augusta, em honra do Imperador Romano. É esse nome que, através do tempo e com a influência árabe, acaba por se tornar em Sarakusta e mais tarde Saragossa e Zaragoza.

É uma cidade grande e a dormida para motociclistas não é completamente facilitada pelo baixo orçamento que trazemos. O mini-hostel, no entanto, compensa a ausência de garagem com wi-fi gratuito, uma casa de banho privativa e um pequeno-almoço modesto à disposição. As motos descansaram na rua, sem perigos nem grandes preocupações, num dos muitos locais para estacionamento de motos que são comuns por todas as cidades de Espanha. Não tendo sido a paragem em Zaragoza prevista para ali se passar muito tempo, mas apenas como ponto de apoio na viagem que se pretende levar até ao Porto Comercial de Barcelona, foi apenas longa o suficiente para tentar compreender o fusível de um adaptador de DC de isqueiro que vinha na Transalp (sem sucesso, porque estava escondido no interior da carenagem) e que tinha queimado por ter sido utilizada uma máquina de café que, sendo portátil , não deixa de exigir uma amperagem de mais de 10A para alimentar a sua potência de 120W. Pouco avisada a tentativa de a usar na XTZ e na Transalp. Os fusíveis queimaram rapidamente. Só a GSA, por não ter fusíveis, pôde aquecer aquela resistência o suficiente. Todavia, nunca mais tornámos a tentar. As baterias eram demasiado necessárias para as trocar por café.

Poucas horas em Zaragoza foram ainda suficientes para contemplar a projecção da Basílica no Ebro, as suas luzes amareladas reflectidas na água, enquanto um vento frio soprava agitando tenuemente a superfície do rio. Nas ruas da baixa da cidade, em torno da praça principal, procurámos o melhor sítio para umas cervejas e algumas tapas, antes de descansar dos longos 911 quilómetros percorridos sobre as motos.

O arranque no dia seguinte foi cedo. Pequeno-almoço tomado no pequeno hostel Bed & Breakfast e descida para as motos. Transportar a carga é sempre um desafio, seja de um parque de campismo, seja de um hostel. Tirar tudo das motos, principalmente o que fica fora das malas com fecho, inclui retirar os sacos de depósito e tudo o que está preso no rack traseiro. É uma técnica que se aperfeiçoa a cada dia que passa, desde que o interior das malas esteja devidamente arrumado para não avolumar demasiado. Ainda assim, nem sempre corre totalmente bem e há sempre uma peça de roupa menos bem dobrada, ou uma lata de refeições que tombou sobre outra. Com o passar dos dias, por vezes são necessárias algumas rearrumações para garantir a melhor utilização possível do espaço. O melhor mesmo, é não levar nada que não se tencione usar. Ou seja, a melhor forma de arrumar o espaço disponível é não o esgotar. A roupa suja ocupa mais do que a roupa lavada e dobrada. As pequenas lembranças compradas pelo caminho ocupam espaço, a comida e a água ocupam espaço. A tendência, mesmo tendo em conta a diminuição de volume provocada pelo consumo de alguns dos mantimentos iniciais é a de não aliviar ou até mesmo crescer.

A check list para esta viagem foi simples e deixo aqui a minha:

Capacete Shoei Neotec e respectivo saco de transporte, Blusão Dainese em pele, Botas TCX Gore-Tex, Luvas Drenaline Atlas, balaclava, Óculos Plásticos para condução nocturna.

Para a garupa: um blusão Dainese em pele, Shoei Qwest e respectivo saco de transporte, botas Dainese Gore-Tex, luvas Dainese em pele.

Saco Ortlieb, sacos de interior de malas laterais da XTZ1200AE, Tenda, Colchão de campismo, lençol e cobertor.

Canivete Suíço, Sporks, Camping Gaz fogão, tacho, pratos, copos.

Um par de calças de Ganga e um par de calças de tecido leve, quatro tshirts, uma sweat com capuz, um longlseeve tshirt, um lenço de pescoço, um par de ténis e um par de chinelos.

Escova de dentes, pasta dentrífica, desodorizante, gel de banho, lâmina e espuma de barbear.

Tampões para os ouvidos, quer para utilizar em andamento, quer para dormir. Analgésicos para eventuais dores e outros medicamentos para eventuais problemas que possam surgir, dos quais sempre se destaca a loperamida, pois as mudanças de alimentação e de ambiente podem sempre gerar problemas. No meu caso, as pastilhas para a garganta são sempre úteis devido às variações de temperatura.

Levei também um cantil em alumínio e 3 aranhas de transporte, um kit de fusíveis, um kit de lâmpadas H7 e algumas outras coisas para eventualidades. Iluminação para a noite, interior e exterior. Pilhas e carregadores para os aparelhos electrónicos.

De tudo, os ténis apesar de confortáveis não compensam o espaço que ocupam e, se viajarem com dois passageiros, pode muito bem dispensar-se o espaço que estes ocupam. Se viajarmos sozinhos, o espaço, mesmo com as malas laterais de origem da XTZ1200AE e um saco da ortlieb é mais do que o necessário. Os documentos da moto são algo a não esquecer para não obrigar amigos vossos a incursões pela vossa casa à procura de um envelope para fazer um scanner e enviar por mail, como, por certo se depreende, aconteceu a alguém nesta última viagem exploratória da Ítacaventura.

O dia começou ainda fresco, rumo a Barcelona. Pouco tempo para desfrutar a esplêndida cidade das Ramblas e muito menos tempo para visitar as inúmeras instalações e exposições que a cidade pode oferecer um pouco por toda a parte. O almoço foi mesmo às portas do parque da citadela, no extremo oriental da parte central da cidade. Abriram-se os queijos e os paios que o J. Oliveira tinha trazido, oferta generosa de seus pais que todos agradecemos. O pão e a cerveja foram ali comprados e o almoço estava feito, sobre os bancos de jardim, com as motos do lado oposto da larga rua que ladeia o parque a poente. O café foi tomado numa pequena rua ali perto, com wifi à disposição a troco de um “gosto” na página de Facebook do Café Moreno, Barcelona. O wifi possibilitou-nos obter a morada de uma das três lojas da Motocard de Barcelona para comprar o suporte de telefone para moto que o J. Oliveira não tinha conseguido comprar a tempo em Portugal. Ainda fomos a uma das lojas fazer a compra. Procurámos igualmente os fusíveis para substituir os queimados, sem sucesso porque tudo fechava em Barcelona às seis da tarde, o que não sabíamos.

Pouco tempo depois, procurámos o caminho para o ferry que nos levaria a Porto Torres, já no meio do Mar Mediterrâneo. Andar de viatura individual nas ruas de Barcelona é uma provação à paciência e um desafio à capacidade de refrigeração do corpo humano e das motos. O trânsito é compacto e anda muito pouco e os semáforos dessincronizados em cada cruzamento não ajudam. Sabendo que partíamos para uma região de Itália, abastecemos na Cepsa mais barata de Barcelona, tantos litros quantos pudemos e depois procurámos o porto. Não demos com o porto de ferries comerciais logo à primeira e não existia pela cidade uma única indicação. Mesmo na rotunda do Porto não existia qualquer referência. Só perto das 20.00 pudemos fazer o check-in. O embarque estava apontado pela companhia para as 20.30, mas só pouco depois das 21 se iniciou. A partida estava prevista para as 22.30 e a nave acabou por iniciar a navegação pouco depois da hora marcada. Doze horas de mar, mais uma hora e meia no bar do convés aguardando a partida.

O ferry não era nada do que eu esperava, e julgo que nem o João nem o J. Oliveira esperavam que forma diferente. Não era bem um ferry como o que conhecia até aqui. Ou seja, este ferry, que cruza o mediterrâneo não tem nada a ver com o ferry que cruza o Sado e que liga Setúbal à Tróia e muito menos com o que liga Caminha a Guarda. É um enorme navio, com 11 pisos, sendo três de garagens e três de cabines, dois de áreas comuns, incluindo a ponte onde se situa o bar, a esplanada, a piscina e a discoteca, sendo que os restantes são reservados à tripulação e às máquinas. Agradavelmente surpreendidos com as possibilidades de relaxamento na viagem de 12 horas e com o espaço onde viríamos a descansar, podemos desfrutar umas raras por tão caras cervejas na esplanada da Ponte do navio. A travessia foi adquirida por via do sítio de internet da companhia e no regime mais barato disponível. Foi aliás esse o motivo real da antecipação da partida. A partida no ferry a dia 14 e o regresso a 27 possibilitou a compra das travessias por 196 euros – ida e volta – incluindo moto e condutor de Barcelona a Porto Torres. A poupança, quando comparada com a data inicial prevista para a nossa viagem (ida a 15 e regresso a 30), foi de mais de cem euros por pessoa e moto.

A noite começou com umas cervejas na esplanada, que resultaram num jantar ali mesmo. As latas de saladas em conserva foram a base e o pão, o paio e o queijo ajudaram a dar um sabor mais agradável à refeição. Em pouco tempo, as mesas da esplanada encheram-se de gente a fazer precisamente o mesmo, mas sem o paio e o queijo alentejanos que o J. Oliveira nos trouxera. Depois disso, ainda espreitámos a zona de lounge, o bar interior e o restaurante. Antes de dormir, ainda subimos à ponte e olhámos a espuma que o navio produzia ao cruzar o mar a uma velocidade de 26 nós. As mais de 300 milhas que separam Barcelona de Porto Torres justificam as 12 horas.

A noite foi passada nas poltronas de dormir que ficavam no piso de utilização comum mais baixo, numa sala com luz azul ténue para não ferir os olhos. A sala, porém, tinha imensa gente e encontrava-se num local de passagem da tripulação. Isso faz com que não seja totalmente sossegada. Os tampões de ouvidos foram providenciais.

Passar a noite no ferry tem algumas vantagens que compensam a fragilidade do conforto: está assegurada uma dormida sem ter de procurar parque de campismo ou hostel e chega-se ao destino pela manhã, ainda a tempo de aproveitar quase toadas as horas do dia. Isso mesmo sentimos ao chegar ainda durante a manhã a Porto Torres. Café tomado na esplanada e plano de viagem feito pela costa Ocidental da Sardenha até à capital da região, Cagliari. Também esta dormida estava tratada de antemão pelo João e foi só chegar e descarregar as motos para um quarto. A 10 minutos da praia, viajando de moto, o quarto não era nem bom nem mau. Tinha um wifi impossível, mas uma cozinha útil. Nessa tarde, experimentámos pela primeira vez nesta viagem as águas mediterrânicas. Límpidas, tépidas. Também pela primeira vez, experimentámos numa esplanada de praia, a cerveja Sardenha – depois da Peroni italiana bebida no ferry. A Jchnusa é uma cerveja comum na Sardenha, ali produzida. Daí partimos para o quarto para cozinhar a primeira bolonhesa da viagem. A Vera juntou-se a nós nessa mesma noite, via ar, pelo aeroporto de Cagliari, onde o João a foi buscar com 4 horas de atraso da responsabilidade da companhia. Quando a Vera chegou, já não teve vontade de comer o esparguete à bolonhesa que havia sobrado do jantar e isso resolveu a questão do pequeno-almoço para mim e para o J. Oliveira.

Enquanto se esperava o avião da Vueling que traria a Vera de Lisboa com escala em Barcelona, conhecemos algumas ruas do centro de Cagliari. Temperaturas agradáveis, bares abertos no 15 de Agosto (feriado nacional italiano) e algumas cervejas. A cidade não tem grandeza, tal como todas as construções que tivemos oportunidade de conhecer na Sardenha. A ilha é de uma beleza deslumbrante, com vários tipologias de relevo e uma orografia variável. As praias e as escarpas para o mar são de uma beleza extraordinária. Infelizmente, os italianos não cuidam a construção de forma a integrar a beleza da ilha. A presença humana é intrusiva e quase indesejável. No entanto, nos lugares menos urbanos, os parques de campismo vieram a mostrar-se quase todos agradáveis surpresas.







terça-feira, 12 de agosto de 2014

ÍtacAventura 2014 - Barcelona, Córsega e Sardenha

Se tudo correr bem, a partir de amanhã este blog acompanhará os percursos de três motos na viagem da ÍtacAventura deste verão. O trajecto levará uma GS1200A, uma XT1200ZE e uma Transalp 700 pelas estradas da Espanha até ao ferry que as fará cruzar o Mediterrâneo até Sardenha e Córsega.

De 13 a 28, esperamos poder actualizar este blog para que, juntamente com a página de facebook da ítacaventura, possam ir acompanhando a viagem.


Até já.