sábado, 30 de agosto de 2014

dias 13, 14 e 15 - Ítaca 2014



Cinco mil quilómetros de uma viagem que apontava para os cerca de quatro mil e oitocentos quando preparada pelo João. Isso mostra bem a vontade de fazer quilómetros que os destinos nos estimularam. A partida foi antecipada em dois dias. O que estava previsto ser uma viagem a iniciar-se num ferry a dia 16 de Agosto e a terminar a 30, resultou afinal numa partida de ferry a 14 e um regresso a 29. Isso implicou a partida de Setúbal pelas 5.30 da manhã de dia 13, paragem em Arraiolos para apanhar o primeiro convidado da Ítacaventura e partir, com o atraso típico de um primeiro dia, cerca das 7.30 de Vimeiro. Foi aí o verdadeiro início, onde as três motos se juntaram para um curto café da manhã. Regras faladas: a Transalp 700 viaja no meio, e a XTZ e a GSA alternam-se na frente. Conduzindo sempre com o cuidado da condução em grupo, apesar de serem apenas três motos. A manhã estava fria mas começava a aquecer a caminho de Elvas, Badajoz, Madrid e pelos longos quilómetros rectos que atravessam toda a meseta Ibérica até à primeira paragem: Zaragoza.

Felizmente, o ano não tem sido particularmente quente. As temperaturas, mesmo em Agosto, não são sequer próximas dos quarenta graus que temos conhecido habitualmente nas outras viagens da Ítaca. As temperaturas neste primeiro dia, um pouco quente, foram ainda assim simpáticas com os motociclistas e rondaram sempre os 30 graus de máxima, o que permite refrescar em andamento. A chegada a Zaragoza não foi tão cedo quanto programada por força do atraso inicial de uma hora e meia, quase duas. No entanto ainda chegámos a tempo de descansar um pouco num mini-hostel situado a cinco minutos da Basílica de Nossa Senhora do Pilar, que se ergue à beira do Ebro majestosamente. A basílica foi levantada preservando o pilar onde, segundo rezam as lendas religiosas, uma imagem de Nossa Senhora terá surgido ao Apóstolo Tiago sobre um pilar. Ainda hoje lá se encontra o pilar no interior da Basílica que se encontra bem no centro da cidade fundada como César Augusta, em honra do Imperador Romano. É esse nome que, através do tempo e com a influência árabe, acaba por se tornar em Sarakusta e mais tarde Saragossa e Zaragoza.

É uma cidade grande e a dormida para motociclistas não é completamente facilitada pelo baixo orçamento que trazemos. O mini-hostel, no entanto, compensa a ausência de garagem com wi-fi gratuito, uma casa de banho privativa e um pequeno-almoço modesto à disposição. As motos descansaram na rua, sem perigos nem grandes preocupações, num dos muitos locais para estacionamento de motos que são comuns por todas as cidades de Espanha. Não tendo sido a paragem em Zaragoza prevista para ali se passar muito tempo, mas apenas como ponto de apoio na viagem que se pretende levar até ao Porto Comercial de Barcelona, foi apenas longa o suficiente para tentar compreender o fusível de um adaptador de DC de isqueiro que vinha na Transalp (sem sucesso, porque estava escondido no interior da carenagem) e que tinha queimado por ter sido utilizada uma máquina de café que, sendo portátil , não deixa de exigir uma amperagem de mais de 10A para alimentar a sua potência de 120W. Pouco avisada a tentativa de a usar na XTZ e na Transalp. Os fusíveis queimaram rapidamente. Só a GSA, por não ter fusíveis, pôde aquecer aquela resistência o suficiente. Todavia, nunca mais tornámos a tentar. As baterias eram demasiado necessárias para as trocar por café.

Poucas horas em Zaragoza foram ainda suficientes para contemplar a projecção da Basílica no Ebro, as suas luzes amareladas reflectidas na água, enquanto um vento frio soprava agitando tenuemente a superfície do rio. Nas ruas da baixa da cidade, em torno da praça principal, procurámos o melhor sítio para umas cervejas e algumas tapas, antes de descansar dos longos 911 quilómetros percorridos sobre as motos.

O arranque no dia seguinte foi cedo. Pequeno-almoço tomado no pequeno hostel Bed & Breakfast e descida para as motos. Transportar a carga é sempre um desafio, seja de um parque de campismo, seja de um hostel. Tirar tudo das motos, principalmente o que fica fora das malas com fecho, inclui retirar os sacos de depósito e tudo o que está preso no rack traseiro. É uma técnica que se aperfeiçoa a cada dia que passa, desde que o interior das malas esteja devidamente arrumado para não avolumar demasiado. Ainda assim, nem sempre corre totalmente bem e há sempre uma peça de roupa menos bem dobrada, ou uma lata de refeições que tombou sobre outra. Com o passar dos dias, por vezes são necessárias algumas rearrumações para garantir a melhor utilização possível do espaço. O melhor mesmo, é não levar nada que não se tencione usar. Ou seja, a melhor forma de arrumar o espaço disponível é não o esgotar. A roupa suja ocupa mais do que a roupa lavada e dobrada. As pequenas lembranças compradas pelo caminho ocupam espaço, a comida e a água ocupam espaço. A tendência, mesmo tendo em conta a diminuição de volume provocada pelo consumo de alguns dos mantimentos iniciais é a de não aliviar ou até mesmo crescer.

A check list para esta viagem foi simples e deixo aqui a minha:

Capacete Shoei Neotec e respectivo saco de transporte, Blusão Dainese em pele, Botas TCX Gore-Tex, Luvas Drenaline Atlas, balaclava, Óculos Plásticos para condução nocturna.

Para a garupa: um blusão Dainese em pele, Shoei Qwest e respectivo saco de transporte, botas Dainese Gore-Tex, luvas Dainese em pele.

Saco Ortlieb, sacos de interior de malas laterais da XTZ1200AE, Tenda, Colchão de campismo, lençol e cobertor.

Canivete Suíço, Sporks, Camping Gaz fogão, tacho, pratos, copos.

Um par de calças de Ganga e um par de calças de tecido leve, quatro tshirts, uma sweat com capuz, um longlseeve tshirt, um lenço de pescoço, um par de ténis e um par de chinelos.

Escova de dentes, pasta dentrífica, desodorizante, gel de banho, lâmina e espuma de barbear.

Tampões para os ouvidos, quer para utilizar em andamento, quer para dormir. Analgésicos para eventuais dores e outros medicamentos para eventuais problemas que possam surgir, dos quais sempre se destaca a loperamida, pois as mudanças de alimentação e de ambiente podem sempre gerar problemas. No meu caso, as pastilhas para a garganta são sempre úteis devido às variações de temperatura.

Levei também um cantil em alumínio e 3 aranhas de transporte, um kit de fusíveis, um kit de lâmpadas H7 e algumas outras coisas para eventualidades. Iluminação para a noite, interior e exterior. Pilhas e carregadores para os aparelhos electrónicos.

De tudo, os ténis apesar de confortáveis não compensam o espaço que ocupam e, se viajarem com dois passageiros, pode muito bem dispensar-se o espaço que estes ocupam. Se viajarmos sozinhos, o espaço, mesmo com as malas laterais de origem da XTZ1200AE e um saco da ortlieb é mais do que o necessário. Os documentos da moto são algo a não esquecer para não obrigar amigos vossos a incursões pela vossa casa à procura de um envelope para fazer um scanner e enviar por mail, como, por certo se depreende, aconteceu a alguém nesta última viagem exploratória da Ítacaventura.

O dia começou ainda fresco, rumo a Barcelona. Pouco tempo para desfrutar a esplêndida cidade das Ramblas e muito menos tempo para visitar as inúmeras instalações e exposições que a cidade pode oferecer um pouco por toda a parte. O almoço foi mesmo às portas do parque da citadela, no extremo oriental da parte central da cidade. Abriram-se os queijos e os paios que o J. Oliveira tinha trazido, oferta generosa de seus pais que todos agradecemos. O pão e a cerveja foram ali comprados e o almoço estava feito, sobre os bancos de jardim, com as motos do lado oposto da larga rua que ladeia o parque a poente. O café foi tomado numa pequena rua ali perto, com wifi à disposição a troco de um “gosto” na página de Facebook do Café Moreno, Barcelona. O wifi possibilitou-nos obter a morada de uma das três lojas da Motocard de Barcelona para comprar o suporte de telefone para moto que o J. Oliveira não tinha conseguido comprar a tempo em Portugal. Ainda fomos a uma das lojas fazer a compra. Procurámos igualmente os fusíveis para substituir os queimados, sem sucesso porque tudo fechava em Barcelona às seis da tarde, o que não sabíamos.

Pouco tempo depois, procurámos o caminho para o ferry que nos levaria a Porto Torres, já no meio do Mar Mediterrâneo. Andar de viatura individual nas ruas de Barcelona é uma provação à paciência e um desafio à capacidade de refrigeração do corpo humano e das motos. O trânsito é compacto e anda muito pouco e os semáforos dessincronizados em cada cruzamento não ajudam. Sabendo que partíamos para uma região de Itália, abastecemos na Cepsa mais barata de Barcelona, tantos litros quantos pudemos e depois procurámos o porto. Não demos com o porto de ferries comerciais logo à primeira e não existia pela cidade uma única indicação. Mesmo na rotunda do Porto não existia qualquer referência. Só perto das 20.00 pudemos fazer o check-in. O embarque estava apontado pela companhia para as 20.30, mas só pouco depois das 21 se iniciou. A partida estava prevista para as 22.30 e a nave acabou por iniciar a navegação pouco depois da hora marcada. Doze horas de mar, mais uma hora e meia no bar do convés aguardando a partida.

O ferry não era nada do que eu esperava, e julgo que nem o João nem o J. Oliveira esperavam que forma diferente. Não era bem um ferry como o que conhecia até aqui. Ou seja, este ferry, que cruza o mediterrâneo não tem nada a ver com o ferry que cruza o Sado e que liga Setúbal à Tróia e muito menos com o que liga Caminha a Guarda. É um enorme navio, com 11 pisos, sendo três de garagens e três de cabines, dois de áreas comuns, incluindo a ponte onde se situa o bar, a esplanada, a piscina e a discoteca, sendo que os restantes são reservados à tripulação e às máquinas. Agradavelmente surpreendidos com as possibilidades de relaxamento na viagem de 12 horas e com o espaço onde viríamos a descansar, podemos desfrutar umas raras por tão caras cervejas na esplanada da Ponte do navio. A travessia foi adquirida por via do sítio de internet da companhia e no regime mais barato disponível. Foi aliás esse o motivo real da antecipação da partida. A partida no ferry a dia 14 e o regresso a 27 possibilitou a compra das travessias por 196 euros – ida e volta – incluindo moto e condutor de Barcelona a Porto Torres. A poupança, quando comparada com a data inicial prevista para a nossa viagem (ida a 15 e regresso a 30), foi de mais de cem euros por pessoa e moto.

A noite começou com umas cervejas na esplanada, que resultaram num jantar ali mesmo. As latas de saladas em conserva foram a base e o pão, o paio e o queijo ajudaram a dar um sabor mais agradável à refeição. Em pouco tempo, as mesas da esplanada encheram-se de gente a fazer precisamente o mesmo, mas sem o paio e o queijo alentejanos que o J. Oliveira nos trouxera. Depois disso, ainda espreitámos a zona de lounge, o bar interior e o restaurante. Antes de dormir, ainda subimos à ponte e olhámos a espuma que o navio produzia ao cruzar o mar a uma velocidade de 26 nós. As mais de 300 milhas que separam Barcelona de Porto Torres justificam as 12 horas.

A noite foi passada nas poltronas de dormir que ficavam no piso de utilização comum mais baixo, numa sala com luz azul ténue para não ferir os olhos. A sala, porém, tinha imensa gente e encontrava-se num local de passagem da tripulação. Isso faz com que não seja totalmente sossegada. Os tampões de ouvidos foram providenciais.

Passar a noite no ferry tem algumas vantagens que compensam a fragilidade do conforto: está assegurada uma dormida sem ter de procurar parque de campismo ou hostel e chega-se ao destino pela manhã, ainda a tempo de aproveitar quase toadas as horas do dia. Isso mesmo sentimos ao chegar ainda durante a manhã a Porto Torres. Café tomado na esplanada e plano de viagem feito pela costa Ocidental da Sardenha até à capital da região, Cagliari. Também esta dormida estava tratada de antemão pelo João e foi só chegar e descarregar as motos para um quarto. A 10 minutos da praia, viajando de moto, o quarto não era nem bom nem mau. Tinha um wifi impossível, mas uma cozinha útil. Nessa tarde, experimentámos pela primeira vez nesta viagem as águas mediterrânicas. Límpidas, tépidas. Também pela primeira vez, experimentámos numa esplanada de praia, a cerveja Sardenha – depois da Peroni italiana bebida no ferry. A Jchnusa é uma cerveja comum na Sardenha, ali produzida. Daí partimos para o quarto para cozinhar a primeira bolonhesa da viagem. A Vera juntou-se a nós nessa mesma noite, via ar, pelo aeroporto de Cagliari, onde o João a foi buscar com 4 horas de atraso da responsabilidade da companhia. Quando a Vera chegou, já não teve vontade de comer o esparguete à bolonhesa que havia sobrado do jantar e isso resolveu a questão do pequeno-almoço para mim e para o J. Oliveira.

Enquanto se esperava o avião da Vueling que traria a Vera de Lisboa com escala em Barcelona, conhecemos algumas ruas do centro de Cagliari. Temperaturas agradáveis, bares abertos no 15 de Agosto (feriado nacional italiano) e algumas cervejas. A cidade não tem grandeza, tal como todas as construções que tivemos oportunidade de conhecer na Sardenha. A ilha é de uma beleza deslumbrante, com vários tipologias de relevo e uma orografia variável. As praias e as escarpas para o mar são de uma beleza extraordinária. Infelizmente, os italianos não cuidam a construção de forma a integrar a beleza da ilha. A presença humana é intrusiva e quase indesejável. No entanto, nos lugares menos urbanos, os parques de campismo vieram a mostrar-se quase todos agradáveis surpresas.







terça-feira, 12 de agosto de 2014

ÍtacAventura 2014 - Barcelona, Córsega e Sardenha

Se tudo correr bem, a partir de amanhã este blog acompanhará os percursos de três motos na viagem da ÍtacAventura deste verão. O trajecto levará uma GS1200A, uma XT1200ZE e uma Transalp 700 pelas estradas da Espanha até ao ferry que as fará cruzar o Mediterrâneo até Sardenha e Córsega.

De 13 a 28, esperamos poder actualizar este blog para que, juntamente com a página de facebook da ítacaventura, possam ir acompanhando a viagem.


Até já.